Em 1990 tinha 10
anos. Mesmo sendo uma criança não tinha como não ficar informado de situações
como o fracasso do Plano Collor, a morte do Zacarias e como ficariam os
Trapalhões a partir dali (mais atrapalhados, alguém diria), como estava a
Alemanha após 1 ano da queda do Muro de Berlim. Particularmente eu procurava me
informar de como gravar um filme pelo vídeo cassete com duração de 6 horas (SP,
LP, EP, nunca esqueci dessas letras... se você tem menos 25 anos talvez não vá
fazer a menor ideia do que isso significa), se meu personagem de Nome Mario
conseguiria derrotar o dragão e salvar a princesa, se finalmente a Manchete
iria exibir o último episódio de Jaspion e assim saberíamos todos se o Gigante
Guerreiro Daileon seria capaz de derrotar o poderoso Satan Goss... eu precisava
ter as minhas prioridades. E uma dessas prioridades incluía ver filmes da Tela
Quente. E lá pelas tantas, exibiram pela primeira vez o tal de RoboCop.
Fantástico aquilo, metade homem, metade máquina, a maneira como ele girava a
pistola na mão (ficou suspeito esse comentário, mas manterei assim), sua luta
obstinada contra o crime... revi o filme dia desses e, mesmo envelhecendo em
alguns aspectos, é um filme muito superior à mera obra de ação, é um filme de
um humor ácido que não lembrava mais, de mortes com balas no peito e na cabeça
e assim por diante. Para os filmes seguintes, Paul Verhoeven resolveu pular
fora e trabalhar atores outrora halterofilistas e mulheres sem calcinha, etc. E
fez. Não que a continuação seja de toda ruim, existem pontos positivos em RoboCop
2: Detroit consegue ser mais sombria e suja do que no primeiro filme, a guerra
civil vai se espalhando ainda mais e não só com a situação de pobreza, mas com
a droga ‘Nuke’ e sua proliferação... mas não dá, pelo menos um aspecto afundou
aquele filme: mudar as diretrizes básicas de RoboCop era aceitável dentro do
roteiro do segundo filme, mas avacalhar suas metas acabou não apenas deixando o
ser metálico uma figura caricata e o tornando um homem da etiqueta, um homem
com regras de Glória Kalil e outros... ora, ao invés de cumprir a lei, dá dicas
de nutrição? Como diria aquela outra, ‘que deselegante tudo isso’! E em RoboCop
3 a bagunça tomou conta, um roteiro bagunçado, uma mistura do samba do crioulo
doido, só faltava o RoboCop descer com seu jatinho na Marquês de Sapucaí, porque
até voar ele voava no filme, não tinha como salvar um projeto assim, não nos
cinemas! Coube ao diretor José Padilha (Tropa de Elite 1 e 2, Ônibus 174) e sua
equipe, mais de duas décadas depois do último filme, começar do zero a história
do ser metade humano, metade máquina. O resultado pode desagradar quem tanto
idolatra o humor sarcástico e escrachado do filme de Paul Verhoeven, mas
inegavelmente existem qualidades no reboot.
O diretor José
Padilha dirige uma obra em que desde o início é nítido o senso de urgência, com
drones tomando conta da cidade de Teerã no lugar de policiais e exércitos, como
sendo algo seguro para o planeta. Se as grandiosas máquinas robóticas são
supostamente mesmo possíveis de garantir a paz da população nas áreas mais
conturbadas, tal medida deveria ser adotada nos Estados Unidos? Se supostamente
lá fora, por que não no ‘melhor país da face da Terra’? Afinal de contas, o que
é mais importante do que a segurança Norte Americana? A discussão entre Sellars
e o Dr. Norton fica entre o que é o ideal: uma máquina racional ou algo que
tenha consciência e que possa processar as informações? No fim, os americanos querem
algo que saiba o que sente um ser humano, um homem na máquina, um robô com
sentimentos e que possa saber o que sente um ser humano. Após uma emboscada
daquelas dignas do Pedro gritar ‘é uma cilada Bino!’, Alex Murphy tem seu corpo
destruído em uma explosão, sobrando apenas sua espinha dorsal, parte de um
braço e seu cérebro. A chance de criar o RoboCop já tinha existido com outros
policiais que sofreram graves acidentes e sobreviveram quase que por milagre, mas
os demais sofreriam de estresse psicológico, eram emocionalmente instáveis... Alex
Murphy era o tipo perfeito para lidar com tudo isso e por isso de sua escolha
para o novo modelo de segurança para a sociedade, que é ser humano e ser
máquina.
O RoboCop dos tempos
atuais é mais focado nas emoções e muito menos no só sair metralhando qualquer
marginal pelas ruas de Detroit. Há de se
destacar ainda que é um ser mais flexível, com movimentos mais rápidos e não
tão travados (o que inclusive justifica Alex Murphy, em seu primeiro momento de
‘nova vida’ comentar que seus movimentos parecem tão reais). Sua armadura não
soa tão ultrapassada quanto a dos anos 80 e felizmente, ao contrário de outros
heróis nos anos 90, não temos um super robô com mamilos (interessante que no
lugar disso, José Padilha coloca a marca da OCP e o símbolo da polícia de
Detroit... Joel Schumacher, fica a dica... sem mamilos, sem mamilos!).
Joel Kinnaman segura
muito bem o papel de Alex Murphy/RoboCop, embora será inevitável encontrar na
saída dos cinemas as viúvas de Peter Weller, falando que RoboCop sempre será
ele e que ninguém nunca chegará aos seus pés, aquela baboseira de sempre.
Entretanto, mesmo que Joel esteja bem em seu papel, o que mais me chamou a
atenção no filme de José Padilha foram as atuações dos personagens masculinos
coadjuvantes. Michael Keaton como o dono da OCP, Raymond Sellars, tanto tempo
que não o via em cena. Gary Oldman, um eterno camaleão do cinema atual – um
ator que já fez Drácula, já quis matar a delicada e adolescente Natalie Portman
em O Profissional, traficante em Amor à Queima Roupa, Espião centrado e
calculista em O Espião que Sabia Demais e o comissário Gordon na trilogia
Batman de Christopher Nolan – aqui você o observa como o cientista Dr. Dennett Norton, que deu vida a RoboCop e
não consegue encontrar nele vestígio de outros papéis, uma facilidade incrível
em interpretar os mais variados personagens. Mas, talvez o mais surpreendente
seja ainda Samuel L. Jackson, do mafioso que comia big mac e depois matava
recitando a bíblia em Pulp Fiction, do tocador de piano em Kill Bill – Volume
2, de Jedi supremo e participante de happy hours de outras galáxias com Mestre
Yoda e Cia na trilogia Star Wars (episódios 4, 5 e 6), de negrão fodão com tapa
olho e chefe dos Vingadores, depois de tudo isso... nunca, mas nunca poderia
imaginá-lo interpretando uma espécie de José Luiz Datena (ou Marcelo Rezende,
como preferirem) da TV americana, com discursos inflamados de ufanismo e ainda
manipulando a todo o momento o público e seus convidados, da maneira como bem
lhe interessa... que ator versátil, era nítido que Jackson estava se divertindo
interpretando o apresentador Pat Novak em seu programa O Elemento Novak, um
programa que é uma notória crítica ao jornalismo atual, em boa parte uma mídia
tendenciosa.
A trilha sonora
inspirada, com especial destaque para a cena que começa com a clássica Fly Me To The Moon de Frank Sinatra, e
ao término, o clima de felicidade e falsa esperança para no final culminar em
uma pergunta: O que afinal é RoboCop, como ele é? José Padilha nos mostra isso
em uma cena de digamos, desconstrução do personagem. O filme pode não ter
diversas cenas de ação, e as que possui, podem não ter as milhares de explosões
por segundo nos longas, curtas, médias metragens e experimentos diversos de
Michael Bay, e até por isso funciona muito bem em cena, com bom ritmo e rock and roll. Outro ponto positivo do filme é a questão
levantada a respeito de nossas decisões: afinal, temos o livre arbítrio para
seguirmos nosso caminho sem influências externas? Padilha deixa claro que não,
desde a já citada mídia tendenciosa que até ela própria, na figura debochada de
Pat Novak é observada a todo momento, sabendo que está sendo monitorado e
qualquer sobressalto não estará imune a censura (o que fica claro no discurso
final de Pat, com os famosos barulhinhos para que a plateia não escute seus
palavrões). A sociedade não pode escolher claramente se robôs como drones são
positivos para os Estados Unidos, pois as informações são claramente
manipuladas. E claro, Alex Murphy na pele de RoboCop sofre igualmente com isso,
o mesmo não tem plena liberdade sobre seus atos. Seus atos, mesmo que corretos,
enfrentam questões morais, como fica claro em determinada parte do filme: taxa
de homicídios em baixa a partir de sua chegada? Ótimo, parabéns! Investigação a
políticos e policiais corruptos? Ferrou. No fim das contas, não é Alex Murphy/RoboCop
que toma suas decisões, ele é apenas ‘um passageiro levado na viagem’.
Todavia, o filme não
é imune a falhas. Os personagens femininos poderiam ser mais bem explorados
(vide a esposa de Murphy, que é linda, bonita, mas quando aparece praticamente
só chora ou fica sem reação com os acontecimentos). Além disso, o terceiro ato
tem momentos que quase colocam a qualidade do filme por água abaixo, com
clichês do tipo fulano que é salvo da morte no último momento quando aparece um
policial do nada e mata o bandido. Não que isso tenha me incomodado o bastante
para ficar aborrecido com o filme, mas são momentos desnecessários do longa.
No fim das contas o RoboCop
de José Padilha é indiscutivelmente um reboot que pode não ter o mesmo humor
negro do filme original dos anos 80, mas tem seu valor. José Padilha está mais
preocupado com discussões éticas, questões de livre arbítrio e manipulação da
mídia televisiva no cotidiano da população (o ano pode ser 2029, mas é tudo tão
atual), entre outros aspectos. As
referências à série original poderão ser encontradas por algum fã mais atento,
embora às vezes em cena pareçam deslocadas (frases como ‘eu não daria um dólar
por ele’, ‘vivo ou morto você vem comigo’, poderiam ter ficado de fora da
edição final sem fazerem falta). A música-tema está presente e de forma
intacta, em momentos pontuais do longa. Qual será o futuro da história do ser
metade homem, metade máquina? Não faço ideia, embora ao final do longa Padilha
deixe pistas do rumo o protagonista poderá tomar (repare nos mamilos na
nova armadura elaborada por Dr. Norton). Para o bem ou para o mal, uma coisa é
certa: o personagem precisava um recomeço, não dava para continuar aquela
alegoria faceira do segundo e terceiro filmes. Só esperamos que, caso hajam
continuações, não percam as essências do personagem e questões levantadas nesse
reboot em prol de maiores bilheterias e menos conteúdo: assim como na minha
vida, Hollywood precisa ter lá suas prioridades e, contrariando a regra geral,
esperamos que seja a de respeitar a inteligência do espectador, assim como fez
José Padilha com o novo RoboCop.
Nenhum comentário:
Postar um comentário